A bailarina

A Diana Niepce foi-me apresentada num evento da Acesso Cultura em 2019: “Ana Sofia esta é a Diana, é nossa associada e é bailarina” disse a Maria. Disse olá à Diana e o que senti foi isto: uma imensa curiosidade – como seria a sua dança?

Poucos anos antes de conhecer a Diana, quando estava no ballet, tinha conhecido o Nuno Sabroso. Ele era o par da Daniele Marçal, uma bailaria que se deslocava em cadeira de rodas e que praticava dança desportiva; juntos, ganharam a medalha de bronze no campeonato mundial de Dança Desportiva em Cadeira de Rodas. Tive a oportunidade de os ver dançar ao vivo numa das vezes em que fui ao Beira Mar para uma festa de salsa.

Com muita pena minha não consegui ir ver o espetáculo “Anda, Diana” que esteve em cena no TBA em abril deste ano. Espero que seja reposto num futuro próximo. No entanto, o livro com o mesmo título, escrito pela própria, é uma leitura de extrema importância para quem trabalha em acessibilidade (em instituições culturais e não só) e para todos os interessados nestas questões. Diria mesmo que se trata de uma leitura essencial, humanizante.

(As palavras da Diana entranharam-se na minha cabeça de tal forma que sonhei com ela várias vezes desde que comecei esta leitura. )

Este livro provocou-me uma série de emoções: se por um lado fiquei a pensar que qualquer pessoa pode um dia ver-se na sua situação (pois os acidentes acontecem) – e isso causa um medo tremendo – , por outro lado foram várias as vezes em que dei por mim a rir às gargalhadas. É que a Diana escreve cheia de sarcasmo e humor, satirizando muitas das situações que viveu desde que ficou tetraplégica. Ler o livro da Diana permite ficar a conhecer a conhecer as dificuldades pelas quais tantas pessoas passam por terem uma deficiência. De repente, aquilo que damos como garantido deixa simplesmente de existir. E aí começa uma jornada incansável em que viver o dia-a-dia pode ser algo extenuante devido às imensas barreiras que existem em todo o lado e que revelam claramente que a legislação portuguesa para a acessibilidade não é cumprida.

Comecei a ficar mais desperta para estas questões desde que me tornei associada da Acesso Cultura. Atualmente, enquanto membro da direção, acabo por estar mais próxima de várias situações que nos vão chegado – e tantas delas revelam uma completa falta de empatia para com a pessoa com deficiência. Hoje, numa das formações que a associação promove, a mãe de um adolescente com Síndrome de Asperger dizia: “Eu queria estimular o meu filho para que ele de adaptasse à sociedade – a tal norma”. Esta é sem dúvida a nossa tendência – tentar que tudo se enquadre dentro do normal. Mas o que é o normal? Como o definimos?

A sinopse do espetáculo da Diana refere isto mesmo:

“Quero falar do que escondemos. Não existi quase toda a minha vida por culpa da crença de ter de existir num corpo que não era o meu. Vou parar de pedir desculpa ao policiamento da norma, que destrói tudo que difere dela própria. Não sou incompleta. Quero parar esta violação da minha intimidade e ninguém me dirá como ser. Deixei de procurar o meu corpo no corpo do outro e encontrei-me com o outro. No trato secreto que faz do meu corpo um contador de histórias, encontrei o sentido do seu estado íntimo e real.”

A Diana contrariou a norma. Uma vez uma massagista disse-lhe que com o que corpo que ela tinha, teria de aceitar que já não era bailarina. Mas a Diana é bailarina. A deficiência é algo com que a pessoa vive e não algo que condiciona o seu ser. As pessoas com deficiência têm direito a ser o que elas quiserem, mesmo que aos olhos dos outros esse percurso não lhes pareça convencional. A Diana é artista. Como se comporta o panorama artístico em Portugal perante os artistas com deficiência? (E quanto a isto também podem ler aqui sobre a Terra Amarela).

São vários os relatos da Diana sobre situações surreais mas alguns dos que mais me chocaram foram os seguintes:

A CP e a TAP pedem um aviso com antecedência de 24 a 48h de que a pessoa vai chegar para que seja instalada a rampa e para que a cadeira de rodas seja transportada. A minha pergunta é: porque é que as equipas não estão sempre preparadas para estas situações?

O dia em que o motorista da Uber recusou a Diana – porque desmontar a cadeira de rodas era um serviço pago – deixou-me simultaneamente revoltada e angustiada. Já para não mencionar no quão mal educado foi. Há uma falta de empatia e compaixão generalizadas.

Aproveito para deixar o acesso a algumas coisas que poderão ser do interesse dos leitores:

  • Hoje fiquei a conhecer a plataforma Demonstra, uma entidade que dá espaço aos artistas com deficiência e que trabalham no âmbito das artes plásticas e não só.
  • Também aqui se poderão inscrever profissionais da cultura com deficiência em Portugal.

Outro pensamento que me fica é este: a atitude das pessoas normalizadas perante as pessoas com deficiência, além de ser super paternalista, é muitas vezes simplesmente ridícula. E nem dos damos conta do quão ridículos nos tornamos. As pessoas com deficiência são isso mesmo: pessoas.

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