Fui ver a peça “Calígula morreu, eu não”, no TNDMII, encenada por Marco Paiva com texto de Clàudia Cedó. Este foi o primeiro contacto que tive com o trabalho dos atores da companhia Terra Amarela, e estreei-me também como espectadora de um espetáculo que tem em palco atores Surdos e atores com deficiência. Há aqui uma particularidade a dar destaque – a peça é falada nas quatro línguas dos atores que lhe dão vida: Português, Espanhol, Língua Gestual Portuguesa e Língua de Signos Espanhola.

Ao longo da ação, inspirada pela obra de Albert Camus, Calígula, são várias as questões colocadas no ar. Não pude deixar refletir sobre a importância do processo em relação ao produto final: da mesma forma que no Teatro o processo importa e não apenas os resultados da bilheteira, o mesmo acontece na Educação. Estando agora a chegar à reta final do ano letivo, quantos trabalhos tiveram as crianças de fazer para produzir algo “bonito”, em que o processo e o contexto foram desprezados?
O mesmo acontece no mundo dos museus: quantas vezes as atividades são pensadas de forma descontextualizada porque o objetivo é o de produzir algo esteticamente vistoso, e em que o pensamento crítico fica de fora do processo? Como é que os serviços educativos continuam, em tantos casos, a ser deixados de fora no processo de estruturação das exposições?
Jesús Vidal interpreta o papel de um encenador que pretende retomar a ideia de uma peça inspirada no Calígula de Camus, ideia essa que esteve abandonada durante uns tempos. Na verdade, esta personagem representa uma pessoa autoritária. Quais as condições necessárias para que um autocrata possa ascender? O que tem acontecido nos últimos anos em países como a Polónia, a Hungria ou mesmo a França?
A diversidade que o palco do TNDMII conseguiu juntar nesta peça de teatro é algo que nunca irei esquecer. Observar a simbiose criada entre os vários atores que falam diferentes línguas fez-me pensar nas várias formas de comunicar que tantas vezes desprezamos. O tempo desta peça foi, para mim, um tempo para sentir emoções fortes através atores incríveis, com uma capacidade de empatia que vai muito além da palavra falada com a voz.
Tendo lido o Ecologia da Joana Bértholo há pouco tempo, foram várias as associações que fiz com este espetáculo que tem atores Surdos em cena: e se em vez de apenas gramática escrita, passássemos todos a ter, nas aulas de Língua Portuguesa, um tempo dedicado à gramática gestual? Como seria transformada a sociedade portuguesa se cada pessoa passasse a saber palavras gestuais de conversação básica para comunicar com quem é Surdo?
Embora tenha começado a escrever este texto há uma semana, termino hoje, um dia depois de sabermos que Tiago Rodrigues será o novo diretor do Festival d’Avignon. Desejo que a sua nova aventura seja incrível, e que a pessoa que lhe irá suceder no TNDMII continue a apostar na diversidade e na representatividade em cima o palco, espelhando aquilo que o mundo é.