No passado dia 23 de abril fui ver o espetáculo do Teatro Griot, O Riso dos Necrófagos na Culturgest. Dirigido por Zia Soares, esta peça de teatro/dança/performance está concebida, para nos captar a atenção e o pensamento. Este espetáculo é uma chamada de atenção para não perpetuar o esquecimento dos horrores vividos na Guerra da Trindade ou massacre de Batepá. Trata-se de mais um episódio sangrento fez parte do processo de desumanização que foi o colonialismo português.

“Nas roças, o trabalho não era pago ou os ordenados eram de miséria. A violência à base de chicotadas era constante e a tentativa de trabalho forçado entre os nativos levou a que, nos inícios de 1953, a população se revoltasse” (RTP Ensina). Essa população acaba por ser repelida com granadas e vê-se forçada a fugir para as roças e para a mata. É então que a administração colonial usa milícias de pessoas brancas para aquilo a que chamaram uma caça às pessoas negras. Entre as casas incendiadas e as mulheres violadas, os sãotomenses capturados são torturados e levados para campos de trabalhos forçados. As centenas de pessoas negras assassinadas (ou provavelmente mais, não encontrei um número mais exato) acabam por ser atiradas para valas comuns ou mesmo para o mar.
Foi a partir dos testemunhos de quem sobreviveu, recolhidos pelo Teatro Griot, que este espetáculo foi pensado. Entre a montanha de cadáveres encontravam-se pessoas ainda vivas.
Faço a distinção entre três momentos do espetáculo: um primeiro momento mais performativo, em que assistimos ao “dançar” dos abutres. O movimento e o silêncio transportam-nos para um outro estado mental.
Um segundo momento dedicado à dança e aos ritmos, brilhantemente pensado por Chullage. (Por momentos regressei à minha adolescência: ainda me lembro de, aos 16 anos, enviar um email ao Chullage a perguntar de procurava vozes femininas para cantarem com ele). O ritmo tomou conta de mim e não consegui ficar quieta da cadeira; foi hilariante observar o olhar da senhora que estava sentada ao meu lado: seria um olhar de surpresa? De indignação? Eram poucas as cabeças que se mexiam nesse momento: a minha era uma delas. Eu só queria uma coisa: dançar, dançar, dançar! A dança vivida no palco é também, aqui, a afirmação de uma herança cultural.
O terceiro momento é aquele que, para mim, foi mais significativo no campo da representação. Adorei a forma como os figurinos foram pensados: as rostos tapados remeteram-me à questão da identidade. Os atores em palco não eram ninguém. E ao mesmo tempo eram todas as pessoas negras que foram assassinadas. As interpretações de cada um dos elementos em palco foram incríveis – uma companhia feita de grandes atores e atrizes.
“Eu não morri”. Esta frase aliada ao movimento que Zia Soares faz, tentando sair debaixo do amontoado de corpos, será das coisas que mais me ficará na memória deste espetáculo.
- O Teatro Griot tem um papel fundamental para a visibilidade e presença dos corpos negros em palco, bem como para o desenterrar da história colonial que ainda hoje não faz parte dos nossos manuais escolares; uma aliada para se dar mais um passo na educação antirracista que eu gostava de ver como parte integrante nas nossas escolas.