Por uma Educação Antirracista

Após o assassinato de George Floyd seguiram-se várias manifestações antirracismo por todo o mundo. Há dias chegou a vez da revolta ser marcada nas estátuas. Em Portugal, da vandalização da estátua do Padre António Vieira, muito se disse, pensou, escreveu. Também pela minha cabeça se passaram vários pensamentos e ideias. No entanto, esta e outras questões só ficarão bem resolvidas dentro de todos nós quando encararmos um dos nossos problemas de raiz: o sistema educativo.

Já li em vários textos e artigos que o oposto de ser racista é ser antirracista e, de facto, penso que compreendo cada vez melhor este jogo de opostos: ser um ou ser outro impele à ação. Uma pessoa que se declara antirracista tem de estar munida de informação fidedigna e de estar consciente de que vai incomodar muita gente. Ser antirracista dá trabalho e pode tirar horas de sono mas abrir as mentes leva tempo e o pensamento crítico não se cria em poucos dias.

É com frequência que oiço coisas como “não tenho de pedir desculpa por algo que não fiz e que se passou há 500 anos”, mas há que ter consciência de que os atos de há 500 anos arrastaram consigo comportamentos e ideias até aos nossos dias. A comercialização de pessoas escravizadas em massa durante a expansão marítima é parte da nossa História.

A cor da pele e outras características morfológicas foram utilizadas para justificar a subordinação e condição de inferioridade dos africanos escravizados. Como aqui refere Heide Jesus Damasceno, “este resgate histórico ainda é fundamental para a análise do racismo contemporâneo”, pelo que conversamos sobre o que se passou há 500 anos terá de fazer parte deste processo. São várias as vezes em que, quando faço visitas em museus, uso a expressão “somos o que fomos”: nós somos o resultado de um caminho percorrido, das escolhas que fizemos. E assim sendo há que optar agora por fazer novas escolhas: a escolha de uma narrativa honesta sobre as várias perspetivas que os acontecimentos históricos tiveram e a reinterpretação/reflexão sobre os mesmos.

Na nossa história recente, nesse tempo de ditadura em que Portugal era colonizador, foi enaltecido o império português das ditas “descobertas”, revisitado e confirmado sob uma narrativa lusotropicalista… como se colonizar e subjugar outros povos fosse algo pacífico e bem aceite.

Importa assim descolonizar os currículos, os manuais escolares, as mentes dos educadores e dos professores. Descolonizar tem aqui o sentido de reverter, desconstruir e este processo é demorado. Este documento do Center for Youth and Society (Canadá) apresenta os pontos chave de forma bastante clara. Há que desconstruir as imagens, os textos, as palavras… as palavras têm muito peso. Grada Kilomba refere aqui que continuamos a glorificar e romantizar o colonialismo e isso reflete-se na nossa sociedade enquanto estrutura, nas instituições que a compõem (como as escolas) e no quotidiano (o vocabulário racista que usamos e que está implícito nos discursos, gestos, ações…). Heide Jesus Damasceno, acrescenta que “enquanto o currículo expressar as representações subalternizadas, negar a história violenta da escravidão e colonização, não haverá reparação do passado nem transformações”.

Olhemos para os nossos manuais escolares: onde estão as contribuições de negros para o avanço de áreas do conhecimento como a Física, a Matemática, a Filosofia, a Antropologia…? Onde está a História de África que já existia antes dos portugueses lá chegarem? A representatividade importa e importa também alargarmos os nossos horizontes, deixar de ver a História apenas sob uma perspetiva eurocêntrica. O Centro de Referências em Educação Integral (Brasil) também nos ajuda a refletir sobre isso.

Mas como podemos colocar isto na prática?

Dena Simmons dá uma ajuda e após consultar alguns documentos reuni aqui algumas ideias:

1. Em primeiro lugar há que estabelecer algumas diretrizes antes de se iniciarem as conversas e debates com as crianças/jovens: não há espaço para agressão física nem verbal, há que respeitar o espaço e os sentimentos dos colegas e estar de mente aberta. Também há que estar preparado para as reações dos progenitores/tutores dos participantes. O educador/professor poderá e deverá suportar a sua ação pedagógica com os Direitos Humanos.

2. Dar a conhecer os conceitos de racismo e privilégio branco. Que conceitos são estes e o que significam na prática? Como é que todos nós podemos ajudar a combater o racismo estando conscientes deste privilégio? Conversar sobre o racismo importa, independentemente do contexto escolar onde se trabalha. Não é por não conversarmos sobre os assuntos que eles não existem e não é pelo facto de todos os estudantes serem brancos que o assunto perde sentido, muito pelo contrário: devemo-nos questionar porque é que isso acontece.

É natural que alguns elementos não queiram participar. Quando isto acontece, a postura do educador/professor deve ser de aceitação: a criança/jovem poderá não participar e apenas ouvir, escrevendo os seus pensamentos. No final pode convidá-la a ler os seus pensamentos e, caso não queira, há que respeitar.

3. Estudar as narrativas históricas sob diferentes pontos de vista, questioná-las, interpretá-las e até recorrer à interpretação de papéis. Estas dinâmicas quando praticadas com crianças e jovens (dentro das especificidades que o amadurecimento cognitivo e emocional da idade dos mesmos acarretam) podem promover o debate de ideias sobre o assunto numa perspetiva transformadora, de criação de pensamento crítico e consciência sobre o assunto.

4. Conversar sobre notícias que abordem o racismo: o que aconteceu? Houve injustiça? O que podemos mudar? Estas conversas podem-se tornar um pouco frustrantes para os participantes no sentido em que não temos uma resolução imediata para o problema. No entanto é possível dar continuidade ao assunto no encontro seguinte bem como reafirmar que a maior transformação que podemos fazer é a nossa, no nosso interior, nas nossas ações e atitudes perante o problema… ajudar as crianças/jovens a tomar consciência de que eles são parte da solução para o problema.

Abordar estas questões, seja com crianças e jovens, seja com adultos, causa desconforto. O educador/professor terá de estar confortável na sua posição de desconforto. Neste artigo Ariana Furtado dá conta da experiência que teve com o projeto “Com a mala na mãe contra a discriminação – uma viagem pela história dos nossos direitos” desenvolvido com uma turma de quarto ano do 1º ciclo, um projeto que poderá servir de inspiração a outros.

Para finalizar este texto, visto que o assunto não termina aqui, deixo um pequeno vídeo de Cristina Roldão para reflexão.

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