Passei os meus 17 anos a ansiar fazer 18. Fazer 18 anos pode ser um marco na nossa vida. Para mim foi, pois teve um significado muito especial: já podia votar. Ansiava poder usufruir do meu direito. Nasci numa família que sempre falou de política e sempre valorizou esse ato. Usei o meu poder de voto logo no ano seguinte, numas presidenciais.

Tive a sorte de ter tido professores, sobretudo no ensino secundário, que nos alertavam para a importância do direito de voto, mostrando que também é um dever: um dever cívico do qual não podemos ficar alheados. As aulas de história serviram para que compreendêssemos o sofrimento de tanta gente para que hoje em dia tenhamos o direito de votar, muito mais no meu caso, por ser mulher.
Ontem, em videochamada com a minha avó Rita, ela contava-me a conversa telefónica que teve com uma amiga. A minha avó tem 86 anos e a amiga dela tem 88. Disse-lhe que hoje iria votar, ao que a amiga respondeu que nem ela nem o filho iam porque tinham medo do vírus.
“Oh avó e não lhe perguntaste se ela deixa de ter medo do vírus quando vai às compras?”
“Sim e ela disse que já vai muito pouco”.
Mas a minha avó ainda lhe disse: “tenho de ir votar porque, já viu, andei, andámos, tantos anos em que não podíamos votar por sermos mulheres ou porque o voto era só para alguns. Ao meu avó davam uma cartinha a dizer-lhe em quem deveria votar.”
A minha avó, tendo nascido em 1934, viveu a sua infância, juventude e entrada na vida adulta, nos anos da ditadura que faz parte da história de Portugal do século passado. E é nesse passado que as ditaduras devem ficar. Ela conta-me as dificuldades económicas que as pessoas passavam, o racionamento de alimentos, a miséria de muita gente.
A minha família tem uma relação muito próxima com a censura e com a política dessa época em que não havia liberdade. Algures na década de 60 o meu avô Gabriel, por ter organizado uma greve que reivindicava melhores condições de trabalho, teve de fugir do país por ser procurado pela PIDE. Esteve fora do país durante cerca de 10 anos, deixando a minha avó Eduarda, a minha mãe e os seus 4 irmãos, sozinhos por cá. Conseguiu, muito secretamente, ver a família um par de vezes durante esse tempo em que andou a trabalhar em países do norte da Europa. Enviava dinheiro à família por correio para uma vizinha, através das roupas que mandava: as notas eram costuradas nos forros das calças, nas bainhas, onde desse.
Também o meu avô Nunes necessitou de ter alguma cautela. As canções que compunha e os teatros que ensaiava eram alvo de escrutínio pelos “bufos” que frequentavam a zona. Um dos versos que escreveu teve de ser escondido: a minha avó Rita tratou disso.
Só quem passou as dificuldades de uma ditadura sabe dar valor à democracia que hoje vivemos. Quem não as passou, como eu, valoriza a democracia pelo simples facto de considerar que uma sociedade é composta por várias vozes e não apenas uma. E é justamente por isso que a democracia dá tanto trabalho…mas eu gosto tanto dela!