Racismo e Educação: que relação?

Nos últimos tempos tem-se falado mais sobre racismo, é verdade. Mas também é verdade que falar sobre o assunto não significa uma efetiva mudança nas estruturas que o promovem.

Na semana passada estive presente numa formação sobre o racismo na Educação em Portugal ministrada por Cristina Roldão promovida pelo Museu Nacional de Etnologia. Este dia de formação dedicado à Escola fez parte de uma ação de vários dias intitulada Diálogos na Diversidade – Programa de Educação para a Multiculturalidade.

Racismo – ações e atitudes

Mas afinal, o que é o racismo? Trata-se de um conjunto de atos de discriminação com base na cor de pele. O racismo envolve uma relação de poder de uma determinada “raça” sobre outra. Pensar em racismo é pensar em desigualdades sociais, em preconceito, em exclusão. Podemos distinguir três formas de racismo que estão interligadas entre si: o racismo quotidiano, o racismo institucional e o racismo estrutural.

O racismo quotidiano é aquele que de forma geral todas as pessoas conhecem: comentários como “vai para a tua terra” ou “para preto é bonito” são exemplo disso. O racismo institucional é aquele que é defendido e validado por instituições como as escolas ou os tribunais: quando, em tribunal, uma pessoa negra tem uma pena maior do que uma pessoa branca e ambas cometeram o mesmo crime. Como justificar sanções e julgamentos diferentes?

O racismo estrutural é aquele que funciona graças às instituições e ao sistema; validamos o racismo quando a própria legislação ou o modo de funcionamento da sociedade civil abona a favor de ações racistas.

Há semanas que ando a “mastigar” o livro de Grada Kilomba. Sim, semanas… tem sido um processo de leitura lento porque tenho sentido necessidade de parar durante uns momentos para poder refletir e digerir o que leio. O racismo institucional do qual esta artista/filósofa/psicóloga/autora foi vítima quando era a única estudante na Faculdade de Psicologia de Lisboa deixou-me incomodada. Quando estava nos hospitais a trabalhar as pessoas simplesmente partiam do princípio de que ela era a pessoa das limpezas. Foram várias as vezes em que os pacientes se recusaram a serem consultados por ela.

Noções históricas

O racismo em Portugal é um legado histórico com origens muito antigas, pelo que somos forçados a recuar ao século XV, mais precisamente ao ano de 1444. Foi neste ano que o Infante D. Henrique trouxe o primeiro “carregamento” de pessoas escravizadas da costa africana para Portugal, desembarcando assim em Lagos um grupo de cerca de 250 pessoas raptadas das suas terras. Neste grupo encontravam-se homens, mulheres e crianças. Durante as minhas horas de estudo para me preparar para fazer as visitas nos museus com os quais colaboro tive a oportunidade de ler descrições deste episódio. Uma das coisas que mais me marcou foi o horror vivido pelas crianças que foram separadas das mães; a forma como estas pessoas foram classificadas para serem vendidas no mercado de Lagos.

Portugal começou assim o seu caminho como responsável por cerca de 48% do tráfico de pessoas escravizas durante os séculos seguintes, o que faz do nosso país o maior responsável pelo tráfico de pessoas escravizadas nas rotas transatlânticas. Os dados podem ser consultados aqui.

Se há quem queira não dar importância a estes factos, centremo-nos então na nossa história mais recente: a história colonial com relação direta à época ditatorial que Portugal viveu. Durante o salazarismo sempre se fomentou o desejo por recursos africanos e um sentido de superioridade da pessoa branca em relação à pessoa negra. São disso exemplo os próprios contos infantis da época bem como as atividades que os estudantes portugueses faziam na altura: as semanas nas colónias, os cruzeiros, os cursos de formação colonial. O racismo é assim um legado histórico com origens na colonialidade.

Não esquecer que foi, ainda ontem, a Exposição do Mundo Português, em 1940. Um dos pontos de atração desta exposição que durou seis meses foi o atual Jardim Botânico Tropical (antigo Jardim Colonial), onde estiveram expostas pessoas negras representando as várias comunidades onde Portugal possuía colónias. E sim, leram bem: pessoas expostas.

Ainda hoje, quando se fala do colonialismo português, há sempre uma romantização daquilo que foi feito pois os portugueses “construíram muita coisa e não foram assim tão maus” ou “não foram tão maus como…”. A esta romantização da subjugação de outros povos perante o antigo Estado ditatorial português dá-se o nome de lusotropicalismo: a ilusão de uma paz colonial.

Racialidade e ensino

Os dados que Cristina Roldão apresentou na formação sobre as taxas de retenção escolar (chumbos) chocaram-me: o fosso de desigualdade entre a forma como se procede com os alunos negros em relação aos alunos brancos é enorme. Devemo-nos questionar: que motivos levam a tamanhas desigualdades? A classe de professores também deverá refletir: até ponto as suas atitudes perante os alunos de pele negra não estarão já em conformidade com um pensamento formatado, no sentido em que “daquele aluno não se espera grande coisa”? A isto se chama efeito pigmaleão.

A verdade é que há factos que revelam esta intenção de promover a desigualdade e de não permitir que as pessoas negras aspirem a uma ascensão social; prova disso é o facto de não ter existido Ensino Superior nas colónicas até à década de 1960. A educação que existia era com base numa “civilização” para a linguagem, a religião e o trabalho. Fomentar o pensamento crítico? Nem pensar. Fomentava-se sim o foco pelo trabalho e o respeito pela autoridade. Esta atitude mantém-se atualmente: aqueles dos quais pouco se espera são encaminhados para o ensino profissional.

Atualmente o nosso sistema de ensino continua a ostracizar os estudantes negros sentido em que há um abafamento da sua cultura. Quando se fala em promoção da interculturalidade eu assisto a esse processo (que na prática seria excelente); apenas vejo um processo de aculturação, no sentido em que a cultura dominante se sobrepõe às minorias. É disso exemplo a questão da língua. Quando a Cristina perguntou à assistência quais são as línguas mais faladas em Portugal a seguir ao português eu não sabia o que lhe responder. Fiquei a saber que são o crioulo de Cabo Verde, o crioulo da Guiné, o quimbundo e o crioulo de São Tomé.

A pergunta que fica é: porque não integrar estas línguas no currículo escolar das crianças e dos jovens para os quais faria tanto sentido ao invés de se verem constantemente forçados a renegar aquilo que é o seu legado cultural? Numa conversa que tive paralelamente com uma colega da formação comentámos o mesmo: até através das AECS estas línguas poderiam ser inseridas na vida escolar dos estudantes. Descompliquemos o que deve ser simples!

Este dia de formação foi um dia cheio: de aprendizagens, de partilhas, de reflexão. Houve ainda espaço para fazer um ponto de situação em relação ao racismo e à comunidade cigana; para que cada uma das pessoas presentes na formação pensasse um pouco mais profundamente sobre a branquitude. Houve ainda espaço para partilhar breves análises a manuais escolares de história.

Mas isso terá de ficar para outro texto…!

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